26 nov 2014

Bolsa-Família, eleições e um País rachado

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Por Ricardo Amorim*

O Brasil nunca esteve tão polarizado. As divisões nasceram com a estratégia de defesa do governo às acusações do Mensalão, caracterizando-as como uma tentativa golpista de uma suposta “elite branca” interessada em reverter conquistas do povo. As eleições as expuseram e aumentaram. 54,5 milhões de eleitores reelegeram Dilma Rousseff, mas 87,2 milhões – a soma dos votos em Aécio Neves, brancos, nulos e abstenções – não votaram nela.

As pesquisas eleitorais já apontavam rachas socioeconômicos e educacionais. Segundo elas, Dilma venceu entre eleitores que ganham até 2 salários mínimos e perdeu entre os demais; venceu entre os que têm até o ensino fundamental e perdeu entre os que cursaram ao menos o ensino médio.

O racha mais visível foi o geográfico. Dilma ganhou por 13,5 milhões de votos no Norte e Nordeste. No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, Aécio ganhou por 10 milhões de votos.

O Bolsa-Família sozinho explica os resultados do segundo turno no Distrito Federal e em 22 dos 26 estados brasileiros. No Brasil, pouco mais de 25% das famílias recebem Bolsa-Família. Em todos os estados do Norte e Nordeste, a percentagem é maior, chegando a quase 60% no Piauí e Maranhão. Nestes dois estados, Dilma venceu com quase 80% dos votos válidos.

No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a porcentagem das famílias que recebem Bolsa-Família é inferior menor, chegando a menos de 15% no Distrito Federal, em São Paulo e Santa Catarina. Aí, Dilma teve menos votos, não chegando a 40% deles.

Nos estados com mais de 25% das famílias recebendo Bolsa-Família, incluindo Minas Gerais, Dilma ganhou em todos menos Acre, Rondônia e Roraima. Dos estados onde menos de 25% recebem Bolsa-Família, ela só ganhou no Rio de Janeiro.

Então, afloraram preconceitos e distorções. Alguns no Sul e Sudeste creditaram a vitória de Dilma no Nordeste a supostas questões culturais, sem notar os resultados em áreas mais pobres de seus próprios estados. Por exemplo, Dilma perdeu em todo o estado de São Paulo, menos no Vale da Ribeira.

Alguns chegaram a sugerir que beneficiários do Bolsa-Família deveriam perder o direito ao voto enquanto estivessem no programa. Por este raciocínio, estudantes de faculdades públicas e usuários de hospitais públicos também não deveriam poder votar?

Muitos creditam o impacto eleitoral do Bolsa-Família a uma campanha para amedrontar seus beneficiários que o programa seria extinto se a Presidenta não fosse reeleita. Tais denúncias devem ser apuradas e punidas, mas para entender o impacto eleitoral total do Bolsa-Família é importante compreender seus múltiplos efeitos econômicos. Eles vão muito além da renda direta de seus beneficiários. Como o valor de cada benefício é baixo, ele é gasto integralmente, nada é poupado. Assim, a renda do Bolsa-Família impulsiona o consumo e a atividade econômica. Nas regiões mais pobres, onde mais gente recebe Bolsa-Família, o impacto é maior.

Em termos concretos, com o Bolsa-Família, mais gente comprou bolachas na mercearia do Seu Zé. Como vendeu mais bolachas, Seu Zé comprou uma TV nova. O dono da loja de eletroeletrônicos, que vendeu mais TVs, trocou de carro e o dono da concessionária de veículos comprou um apartamento novo. O Bolsa-Família não beneficia apenas famílias mais pobres, mas toda a economia de regiões mais pobres.

Isto não significa que o programa não tenha defeitos graves. Em regiões onde salários e custo de vida são baixos, ele desestimula seus beneficiários a buscar emprego. Pior, ele não prepara as famílias para que deixem de precisar do programa no futuro e tenham perspectivas melhores do que as que o programa pode lhes oferecer. O fato de que 56 milhões de pessoas, um em cada quatro brasileiros, necessitarem do Bolsa-Família para sobreviver é sinal de fracasso, não de sucesso. O programa tem de estar disponível para quem precisar, mas menos gente tem de precisar dele. Ele precisa tratar da causa dos problemas – a falta de preparação – e não apenas da consequência – a falta de recursos. A medida do sucesso do programa deve ser quantas pessoas saíram dele e não quantas entraram.

Isto me traz à segunda razão para as diferenças regionais na eleição. Nos últimos 4 anos, o Brasil ficou apenas em 161o lugar entre 182 países em crescimento do PIB. As regiões Sul e Sudeste, as mais industrializadas do país, cresceram ainda menos. A produção da indústria caiu e é hoje menor do que há 6 anos. Por consequência, regiões onde a indústria tem um peso maior têm ficado para trás.

É ótimo que Centro-Oeste, Norte e Nordeste tenham crescido mais rapidamente que o Brasil, mas se a indústria e as regiões Sul e Sudeste não se recuperarem, elas puxarão para baixo o desempenho dos demais setores e regiões. Isto já está acontecendo. Por isso, a economia brasileira estagnou neste ano. Centro-Oeste, Norte e Nordeste representam só 28% do PIB do país. Mal comparando e sem nenhum sentido pejorativo, o rabo não consegue abanar o cachorro. Se queremos voltar a crescer, o país precisa superar suas diferenças e criar condições para que todos prosperem.

*Ricardo Amorim é economista, apresentador do programa Manhattan Connection da Globonews e presidente da Ricam Consultoria

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