Daniel dos Passos, José Álvaro Cardoso e Mairon E. Brandes*
O resultado do PIB brasileiro no primeiro trimestre evidencia crescimento, ainda que baixo, em relação ao trimestre imediatamente anterior (0,2%). O que preocupa é o valor adicionado pela indústria (-0,8%) – retração na de transformação (-0,8%) e na de construção civil (-2,3%), crescimento na extrativa mineral (0,5%) e na de eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana (1,4%) – e a queda nos investimentos (-2,1%). Cabe destacar que, na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, a indústria registra crescimento de 0,8% e os investimentos mantém a taxa negativa de 2,1%.
O consumo das famílias registrou leve queda na variação trimestral (-0,1%) e registra crescimento com relação ao ano passado (2,2%), enquanto o consumo do governo segue registrando crescimento (0,7% e 3,4%, respectivamente). Assim, percebe-se que, de fato, a retração dos investimentos tem segurado um maior crescimento de nossa economia e esse é um desafio que precisa ser superado não apenas para a economia crescer mais, mas também crescer de forma sustentável.
Por que a queda nos investimentos? Algumas considerações: Quem investe são os capitalistas e o governo, não os trabalhadores. Os trabalhadores consomem e precisam ser melhor remunerados para que seu padrão de consumo também mude, se diversifique, impulsione a demanda por manufaturados e desenvolva o mercado interno.
Por parte dos empresários, existe, de um modo geral, uma cultura conservadora na gestão dos negócios, com forte resistência a investir e inovar. Existem estatísticas e estudos que corroboram essa afirmação. Segundo a Pintec de 2011, na indústria de transformação, a média de investimentos por empresa em pesquisa e desenvolvimento (P&D) é de 0,7% da receita líquida de vendas. Outro exemplo é a pesquisa que partiu do prof. Paulo Feldmann da FEA/USP que deu origem ao livro “Empresas Latino-Americanas”, onde caracteriza o perfil dos empresários brasileiros.
Mas a questão não é apenas cultural, existem elementos objetivos/materiais que desestimulam novos investimentos, sendo alguns de ordem estrutural e outros, conjuntural. Do ponto de vista conjuntural, o fato de termos eleições presidenciais em outubro pode fazer com que grandes projetos de iniciativa privada sejam adiados.
Há uma enxurrada de análises, nos principais veículos de mídia, que o ano de 2015 será um ano de ajustes e se considerar-se as pesquisas de confiança dos empresários, percebe-se um indicador em baixa. Já os investimentos públicos cresceram nesse período. Segundo uma pesquisa do Valor, que analisou os investimentos públicos realizados em 25 unidades da federação, esse dobrou no primeiro quadrimestre desse ano com relação ao ano passado, atingindo a cifra de R$ 10,49 bilhões.
No plano estrutural, persiste na economia e sociedade brasileira uma estrutura de poder extremamente concentrada cujo processo se intensifica em tempos que o capital assume caráter transnacional. O problema dessa dinâmica é que resulta na formação de monopólios ou oligopólios que, não raramente – em função de pressões externas e internas – têm os preços dos seus produtos elevados, aumentado o custo e prejudicando a competitividade em outros setores da atividade industrial que dependem desses insumos (bens e serviços).
Apenas para constar, o lucro consolidado de 257 companhias que têm ações negociadas na Bolsa de Valores chegou a R$ 32,11 bilhões no primeiro trimestre desse ano, uma alta de 6% com relação ao ano passado. Se excluir dessa amostra a Petrobras, a Vale e a Eletrobrás, a alta chega a 20%. Os bancos não foram considerados nessa amostragem, mas cabe destacar o resultado do Itaú, que teve lucro líquido de R$ 15,8 bilhões em 2013 (alta de 12,8% com relação a 2012) e do Banco do Brasil que lucrou, em 2013, R$ 15,7 bilhões, uma alta de 29,1% sobre o resultado líquido de 2012.
O Estado brasileiro – que cristaliza a força desse poder econômico em suas instituições -, e o governo, para não ficar de fora do jogo, participa de forma decisiva em setores econômicos tidos como estratégicos em nossa economia, a fim de fortalecer esses setores diante da competição internacional e manter algum poder de decisão sobre eles e, em consequência, da nossa economia.
O governo fica assim numa sinuca de bico. Ele precisa, por um lado, ceder a pressão dos preços nos setores em que participa diretamente, a fim de não travar a atividade econômica ou transmitir maior segurança para os investidores (mercado financeiro), permitindo novos investimentos e, por outro, não pode deixar os preços livres devido ao impacto inflacionário e suas implicações econômicas e sociais. Então o governo decide segurar os preços de bens e serviços em setores estratégicos, nos quais mantêm poder de decisão, subsidiando as empresas e oferece subsídios monetários e fiscais – taxas de juros subsidiadas pelo BNDES (como através do Programa de Sustentação de Investimentos), e dedução de impostos (desoneração da folha de pagamentos de forma permanente para certos segmentos que são intensivos em mão de obra e apresentam perda contínua de competitividade, Reintegra, Refis, entre outras medidas – para o conjunto do sistema produtivo a fim de manter a atividade econômica.
Com essa prática, diminui sua própria capacidade de realizar investimentos diretos, tendo em vista que precisa atingir “de forma transparente” a meta de superávit primário (receitas – despesas sem considerar os serviços com juros da dívida), novamente para atender expectativas do mercado financeiro.
O capital produtivo critica o governo pela falta de horizonte na política econômica. De fato, ter trazido a taxa de juros de referência (Selic) para 7,25% – seu menor patamar histórico – num momento, para nos meses seguintes aumentá-la para 11,0%, pode deixar o investidor indeciso, pois o governo sinaliza para direções contrárias (ora para setor produtivo, ora para setor financeiro).
A desvalorização cambial recente – que fez o dólar atingir R$ 2,45 -, e a política do BC, no sentido contrário, para não permitir grandes oscilações, mantendo o câmbio em R$ 2,20, também sinaliza para uma política que percebe ser mais favorável um câmbio que permita menor pressão inflacionária e maiores investimentos (importação de bens de capital – bens elásticos), diante de um câmbio que favoreça a competitividade dos produtos exportáveis produzidos no país (em grande medida bens inelásticos) num período que há menor demanda nos principais mercados externos (queda da demanda chinesa, recuperação lenta dos EUA e Europa e dificuldades na Argentina, importante mercado para os manufaturados produzidos no Brasil).
Assim, nossa economia se desenvolve, fortalecendo o subdesenvolvimento. Ou seja, a indústria de transformação perde competitividade – reduz atividade e diminui oferta de bens por ela produzidos para o mercado interno (em alguns segmentos as empresas importam o produto acabado para vender no mercado interno por obter maior margem/excedente).
O capital estrangeiro cada vez mais apropria-se das empresas locais (processo de desnacionalização), o que faz com que a renda acumulada no país não se transforme em poupança interna, mas seja remetida para o exterior (o que contribui para a retração dos investimentos). Nossa economia fica dependente da exportação de bens primários e, de forma crescente, da elevação da taxa de juros para atrair investimentos externos também em carteira, a fim de manter o equilíbrio nas contas correntes (Balanço de Pagamentos). Há uma reserva de, aproximadamente, US$ 370 bilhões que garantem relativa estabilidade, mas não são suficientes para transformar nossa estrutura produtiva. Um passo nesse sentido teria o pressuposto de uma política econômica de juro baixo, cambio desvalorizado e controle de capitais, ou seja, enfrentamento do “tripé macroeconômico” do nosso país, o que não parece estar no horizonte de qualquer projeto em disputa nas próximas eleições.
A situação econômica, no entanto, não é dramática no curto prazo, porque as políticas anticíclicas adotadas estimularam o consumo e a ocupação formal. Ou seja, a taxa de desocupação é baixa o que é positivo, houve uma melhora nas condições de vida de milhões de trabalhadores. No entanto, cabe salientar que os resultados das medidas que geraram ocupações formais e consumo foram canalizadas, em grande medida, para o setor de serviços.
E o problema, do ponto de vista do desenvolvimento, parece ser que foi para um setor de serviços atrasado (apenas na forma de microempreendedor individual, foram 4,42 milhões de novas ocupações), com ocupações de baixa produtividade e não para um setor de maior intensidade tecnológica, vinculado/integrado as cadeias produtivas dos setores mais dinâmicos da indústria e da agropecuária.
Além disso, esse crescimento do setor de serviços passou a pressionar os salários dos trabalhadores nas indústrias, sendo esse mais um fator que teve seu custo elevado, apesar de ainda ser baixo, impactando as decisões de novos investimentos, sobretudo, na indústria intensiva em mão de obra. Cabe destacar que a pressão sobre os salários dos trabalhadores nas indústrias ocorreu também em função da queda da taxa de participação da mão de obra em idade ativa, muito por conta da melhora da renda e das oportunidades em estudar, além da organização dos trabalhadores que estão conquistando maiores ganhos reais nas negociações coletivas.
Assim, finalizando, o ambiente econômico externo ainda fraco – desaceleração da demanda chinesa e fraco desempenho das principais economias globais, que refletem uma queda de 5,1% nos preços internacionais de commodities nesse ano – e os desafios no ambiente interno acima listados, não nos permite vislumbrar maiores taxas de crescimento nesse momento. Para a economia brasileira crescer, na forma em que ela está constituída, é necessário que a demanda por nossos bens exportáveis cresça em volume, mas de forma fundamental em seus preços, a fim de que permita um incremento na taxa do excedente interno, da poupança e, quem sabe, dos investimentos.
(*) Economistas do Dieese
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