As medidas de isolamento social impostas por causa da pandemia do novo coronavírus alteraram radicalmente a forma que trabalhamos. Agora, para manter contato com os colegas de trabalho, o profissional está recorrendo cada vez mais às videochamadas. Dados divulgados pelo Google em abril, por exemplo, mostram que o Hangouts Meet (plataforma de videoconferências da empresa) teve seu tráfego aumentado em 25 vezes desde o início da crise sanitária. Já a plataforma Zoom ganhou 100 milhões de usuários nas três primeiras semanas de abril.
A utilidade desse tipo de tecnologia, ainda na conjuntura atual, é inegável. Mas todo esse tempo gasto em videochamadas tem seus problemas. Segundo o especialista em comportamento organizacional André Spicer, em artigo para o portal Fast Company, dedicar muita energia a essas plataformas pode fazer com que o usuário se sinta mais cansado.
Spicer afirma que as videochamadas deram uma aparência de vida normal para os usuários durante o isolamento social. Mas, em contrapartida, isso pode fazer os relacionamentos parecerem irreais. Esse sentimento está até mesmo estimulando discussões sobre o que poderia ser uma nova doença psicológica: a “fadiga do Zoom”.
Quando interagimos com outra pessoa pela tela, nosso cérebro precisa trabalhar muito mais. Perdemos muitos dos outros sinais que teríamos durante uma conversa na vida real, como o cheiro da sala ou alguns detalhes em nossa visão periférica. Em situações normais, essas informações adicionais ajudam nosso cérebro a entender o que está acontecendo.
Quando essas informações extras desaparecem, nosso cérebro precisa trabalhar mais para entender o que está acontecendo. Às vezes, isso pode nos colocar em desvantagem. Por exemplo, um estudo que analisou o desempenho de candidatos em de entrevistas de emprego apontou que as pessoas tendem a se sair pior quando são entrevistadas por meio de um vídeo do que pessoalmente.
O maior esforço que realizamos para conseguir compreender o que está acontecendo durante uma videoconferência pode saturar o cérebro, fazendo com que ele busque “atalhos” para realizar suas atividades. Isso pode resultar em erros. Outro estudo descobriu que os médicos que participaram de um seminário via videoconferência tendiam a se concentrar no apresentador, enquanto aqueles que compareciam pessoalmente se concentravam na qualidade dos argumentos apresentados.
Segundo outro estudo, o distanciamento reduz até mesmo a capacidade do ser humano sentir empatia pelo próximo. Ao analisar a atuação de juízes em casos que envolviam o pedido de refugiados por asilo, os magistrados se mostraram menos confiantes e compreensivos quando em videochamadas.
Por outro lado, os candidatos eram mais propensos a mentir e os juízes eram menos propensos a detectar falsidades. Um terceiro estudo constatou que os desenhistas da corte fizeram desenhos menos precisos ao coletar informações por videochamada.
Outro ponto analisado foi que nossas opiniões e confiança podem até mesmo piorar caso a chamada apresente defeitos técnicos. Até mesmo um atraso de um segundo pode nos fazer pensar que as pessoas do outro lado são menos amigáveis. Um experimento descobriu que, quando a qualidade do vídeo era baixa, as pessoas eram muito mais cautelosas em sua comunicação.
Videoconferências e a exaustão emocional
As videoconferências também podem ser emocionalmente exaustivas. Um estudo realizado com intérpretes que trabalhavam na ONU e na União Europeia mostrou que esses profissionais se sentiam alienados por seu trabalho. Já os terapeutas que realizam sessões através de videochamadas relataram que estavam “perdendo a conexão” com seus clientes.
Um estudo que analisou a interação entre alunos e professores constatou que, quando um exame oral era realizado por meio de um link de vídeo, os alunos que já estavam predispostos a sentirem ansiedade se tornavam ainda mais ansiosos do que em um exame presencial. Como consequência, eles tendiam a ter um desempenho pior. Tal ansiedade aumentou ainda mais quando eles puderam ver uma imagem grande de si mesmos na tela.
Segundo André Spicer, uma peculiaridade das videoconferências é que, quando nos sentamos lá, vemos nossa própria imagem. Isso pode nos tornar menos confiantes em nossas interações. Até podemos nos esforçar mais para nos engajarmos socialmente, mas também achamos a experiência mais estressante.
A disseminação da videoconferência também pode desencadear uma busca desesperada por reconhecimento, afirma o especialista. Uma análise feita com funcionários remotos constatou que eles encaravam a experiência como uma forma de “exílio”. Esses funcionários “exilados” se sentem esquecidos e tentam de tudo para se fazerem vistos. Eles procuram material interessante e histórias para compartilhar com os colegas de trabalho.
Há uma solução?
Spicer dá algumas dicas relativamente simples para tornar as videoconferências menos cansativas. Evite fazer outras atividades durante uma videochamada. Isso reduz sua carga de trabalho cognitiva e ajuda a prestar atenção. Também experimente fazer uma pausa entre as chamadas e afaste-se da tela para ter tempo de refletir e se recuperar. Ocultar a sua imagem durante a chamada é outra técnica que pode te ajudar. Isso pode fazer com que você fique mais focado no que os outros estão dizendo.
Também considere a possibilidade de explorar outras formas de comunicação. Mensagens de texto, e-mails e telefonemas podem ser até mais eficientes do que as videoconferências.
Realizar uma ligação apenas por áudio também é uma opção. Um estudo descobriu que, durante uma chamada apenas por voz, os participantes transmitiram algumas informações mais precisamente do que durante uma chamada com vídeo.
Até o papel e caneta têm suas vantagens sobre as videochamadas. Um estudo constatou que a escrita manual de uma nota de agradecimento deixa os destinatários muito mais felizes.
Também há momentos em que nenhuma comunicação funciona melhor. Um experimento recente descobriu que as equipes que resolveram silenciosamente um quebra-cabeça tendiam a superar as que falavam enquanto trabalhavam. Às vezes, é melhor simplesmente abraçar o silêncio.
Fonte: New Trade